Tinha oitenta e um anos de idade. Chamava-se Dona Cândida Raposo.
[...] Pois foi com Dona Cândida Raposo que o desejo de prazer não passava.
Teve enfim, a grande coragem de ir a um ginecologista. E perguntou-lhe envergonhada, de cabeça baixa:
- Quando é que passa?`
- Passa o quê, minha senhora?
- A coisa.
- Que coisa?
- A coisa, repetiu. O desejo de prazer, disse enfim.
- Minha senhora, lamento lhe dizer que não passa nunca.
- [...] E... e se eu me arranjasse sozinha? O senhor entende o que quero dizer?
- É, disse o médico. Pode ser um remédio.
[...] Nessa mesma noite deu um jeito e solitária satisfez-se.
Mudos fogos de artifícios. Depois chorou. Tinha vergonha.
daí em diante usaria o mesmo processo. Sempre triste.
É a vida senhora Raposo, é a vida. Até a bênção da morte.
A morte. Pareceu-lhe ouvir ruído de passos. Os passos de seu marido, Antenor Raposo.
(Clarice Lispector, A Via Crucis do Corpo)
Esse texto foi recortado do livro Estudos Feministas, Florianópolis. (Janeiro-Abril de 2004).
Lembrei da minha avó que ficou viúva muito nova, por volta dos trintas anos e nunca mais casou. Minha mãe sempre comentava que aos setenta anos, a minha avó ainda sentia 'desejos'.
O desejo de prazer não depende do outro, da outra pessoa. Ele está em nós. E não acaba nunca. Que bom!
Olá
ResponderExcluirQue forma interessante comentar sobre o desejo feminino, através da Clarice e dos recortes de sua história familiar.
Parabéns.
Os desejos... sempre tão dificeis de serem falados pelas mulheres. E mesmo com os profissionais da saúde sempre com muita reserva. O prazer às vezes parece que não está reservado para 'nosotras'. Gostei demais do texto.
ResponderExcluir