sábado, 10 de março de 2012

Um Tempo Sem Nome

A crônica a seguir foi escrita por Rosiska Darcy de Oliveira e publicada originalmente no jornal O Globo em 21/01/12. Tem muito a ver com as reflexões que fazemos por aqui. Fala sobre novas e modernas formas de envelhecer. A conferir. 

Um Tempo Sem Nome

Com seu cabelo cinza, rugas novas e os mesmos olhos verdes, cantando madrigais para a moça de cabelo de abóbora, Chico Buarque de Holanda vai bater de frente com as patrulhas do senso comum. 
Elas torcem o nariz para mais essa audácia do trovador. O casal cinza e cor de abóbora segue seu caminho e tomara que ele continue cantando "eu sou tão feliz com ela" sem encontrar resposta ao "que será que dá dentro da gente que não devia".

Afinal, é o olhar estrangeiro que nos faz estrangeiros a nós mesmos e cria os interditos que balizam o que supostamente é ou deixa de ser adequado a uma faixa etária. O olhar alheio é mais cruel que a decadência das formas. É ele que mina a autoimagem, que nos constitui como velhos, desconhece e, de certa forma, proíbe a verdade de um corpo sujeito à impiedade dos anos sem que envelheça o alumbramento diante da vida.

Proust, que de gente entendia como ninguém, descreve o envelhecer como o mais abstrato dos sentimentos humanos. O príncipe Fabrizio Salinas, o Leopardo criado por Tommasi di Lampedusa, não ouvia o barulho dos grãos de areia que escorrem na ampulheta. Não fora o entorno e seus espelhos, netos que nascem, amigos que morrem, não fosse o tempo "um senhor tão bonito quanto a cara do meu filho", segundo Caetano, quem por si mesmo, se perceberia envelhecer? Morreríamos nos acreditando jovens como sempre fomos.

A vida sobrepõe uma série de experiências que não se anulam, ao contrário, se mesclam e compõem uma identidade. O idoso não anula dentro de si a criança e o adolescente, todos reais e atuais, fantasmas saudosos de um corpo que os acolhia, hoje inquilinos de uma pele em que não se reconhecem. E, se é verdade que o envelhecer é um fato e uma foto, é também verdade que quem não se reconhece na foto, se reconhece na memória e no frescor das emoções que persistem. É assim que, vulcânica, a adolescência pode brotar em um homem ou mulher de meia-idade, fazendo projetos que mal cabem em uma vida inteira.

Essa doce liberdade de se reinventar a cada dia poderia prescindir do esforço patético de camuflar com cirurgias de botoxes - obras na casa demolida - a inexorável escultura do tempo. O medo pânico de envelhecer, que fez da cirurgia estética um próspero campo da medicina e de uma vendedora de cosméticos a mais rica mulher do mundo, se explica justamente pela depreciação cultural e social que o avançar na idade provoca.

Ninguém quer parecer idoso, já que ser idoso está associado a uma sequência de perdas que começam com a da beleza e a da saúde. Verdadeira até então, essa depreciação vai sendo desmedida por uma saudável evolução das mentalidades: a velhice não é mais o que era antes. Nem é mais quando era antes. Os dois ritos de passagem que a anunciavam, o fim do trabalho e da libido, estão ambos, perdendo autoridade. Quem se aposenta continua a viver em um mundo irreconhecível que propõe novos interesses e atividades. A curiosidade se aguça na medida em que se é desafiado por bem mais que o tradicional choque de gerações com seus conflitos e desentendimentos. Uma verdadeira mudança de era nos leva de roldão, oferecendo-nos ao mesmo tempo o privilégio e o susto de dela participar.

A libido, seja por uma maior liberalização dos costumes, seja por progressos da medicina, reclama seus direitos na terceira idade com uma naturalidade que em outros tempos já foi chamada de despudor. Esmaece a fronteira entre as fases da vida. É o conceito de velhice que envelhece. Envelhecer como sinônimo de decadência deixou de ser uma profecia que se autorrealiza. Sem, no entanto, impedir a lucidez sobre o desfecho. 

"Meu tempo é curto e o tempo dela sobra", lamenta-se o trovador, que não ignora a traição que nosso corpo nos reserva. Nosso melhor amigo, que conhecemos melhor que nossa própria alma, companheiro dos maiores prazeres, um dia nos trairá, adverte o imperador Adriano em suas memórias escritas por Marguerite Yourcecar.

Todos os corpos são traidores. Essa traição, incontornável, que não é segredo para ninguém, não justifica transformar nossos dias em sala de espera, espectadores conformados e passivos da degradação das células e dos projetos de futuro, aguardando o dia da traição. Chico, à beira dos setenta anos, criando com brilho, ora literatura, ora música, cantando um novo amor, é a quintessência desse fenômeno, um tempo da vida que não se parece em nada com o que um dia se chamou de velhice. Esse tempo ainda não encontrou seu nome. Por enquanto podemos chamá-lo apenas de vida.

Rosiska Darcy de Oliveira é escritora.

O novo amor de Chico a que Rosiska se refere no texto é a cantora Thais Gulin, que aparece na música Essa Pequena, como você pode verificar:


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

É frevo.

Foto: Google imagem
O carnaval me enche de melancolia, de lembranças e de saudade. Da infância. De um tempo que passou. De amores vividos. Não sei bem. Quando eu era criança, a minha mãe ligava a nossa vitrola igualzinha a da foto ao lado, todos os dias de carnaval. Eu ficava sempre por perto, geralmente sentada no sofá com a capa do vinil na mão. Eu amava aquilo, mas era de uma tristeza profunda. Às vezes ela chorava. Eu não entendia direito. Mas quando cresci entendi rapidinho. As letras das músicas são saudosistas demais. Melancólicas demais. É saudade o tempo todo. Soma-se a isso a melodia e a musicalidade do frevo canção e do frevo de bloco, igualmente nostálgicas. Sem contar as inúmeras vezes que a palavra chorar aparece nas músicas da festa que é o símbolo da alegria. Compositores como Nelson Ferreira, Capiba, Aldemar Paiva, Antônio Maria, Getúlio Cavalcanti, J.Michilis e a compositora Fátima de Castro que o digam. E o mais incrível é que muitos desses compositores foram (ou são) animados foliões.
O primeiro sucesso de Capiba, É de amargar, conta a história de um amor mal sucedido, cujo autor parece disfarçar a tristeza falando de um novo amor que pode estar surgindo. Com essa música composta em 1934, Capiba foi vencedor de um festival de música carnavalesca. Segundo José Teles, o mais triste é que essa música foi composta sob forte impacto: a morte prematura de Sebastião, o irmão mais velho de Capiba:
"Eu bem sabia que esse amor um dia
Também tinha seu fim esta vida é mesmo assim
Não penses que estou triste nem que vou chorar
Eu vou cair no frevo que é de amargar".

Mesmo quando Manda embora essa tristeza, Capiba alimenta a própria saudade, com frases como:
"Tu pensas que eu levo de inverno a verão
A dançar e cantar com o meu violão
Mas, na verdade, te digo, afinal!
Eu só faço isso pelo carnaval".

Um amor que se foi. Um amor que não chegou. Solidão, choro e saudade. É a tônica dessas músicas.
É assim em Os melhores dias de minha vida:
"Eu fiquei chorando quando foste embora,
quem sente saudade é quem chora".

E segue na tristeza em
"A dor de uma saudade vive sempre em meu coração
ao relembrar alguém, deixando a recordação
Nunca mais hão de voltar os tempos felizes que passei em outros carnavais".

E,
"Quem tem saudade não está sozinho
Tem o carinho da recordação
Por isso quando estou mais isolado
Estou bem acompanhado com você no coração".

Galo da Madrugada (Imagem: Google) 
E tem as que lembram um carnaval de passado recente, como o hino do Galo da Madrugada:
"Acorda, Recife, Acorda
Que já é hora de está de pé
Levanta, o carnaval começou no bairro de São José

Vem, vem meninada,
vem conhecer o Galo da Madrugada

O Galo vai desfilando com beleza e harmonia
O Enéas comandando
E mostrando a alegria de um carnaval
Que basta brincar um dia

Vem, vem meninada
Vem conhecer o Galo da Madrugada

Se você desfilar esse ano
nunca mais vai esquecer a Padre Floriano
E no bairro de São José o Galo é quem vai cantar
E o Galo é quem vai mandar".


Em O Recife manhã de sol, é saudosismo a música inteira, de um Recife que não existe mais. Ou existe apenas nas lembranças do compositor J. Michilis:
"Vejo o Recife prateado
À luz da lua que surgiu
Há um poema dos namorados
No céu e nas águas dos rios

Um seresteiro e um violão
Anunciando o amanhecer
Recife inteiro vai render
Ave-Maria ao pé do altar

Bumba-meu boi, Maracatu
Recife dos meus carnavais
Não vejo mais sinhá mocinha
À luz de um lampião de gás

És primavera dos amores
Do horizonte és arrebol
Vai madrugada serena
Traz delirante poema
Recife manhã de sol".

E quando eu ficava o carnaval fora de Recife - muitas vezes eu ia à Campina Grande, na Paraíba - aí a saudade doía. E em qualquer tempo ouvir o Frevo número 1, de Antônio Maria dá vontade de chorar, 'uma saudade tão grande que eu até me embaraço. Recife está perto de mim'.




No Último regresso, Getúlio Cavalcanti é  pura despedida, recolhimento, adeus.
"No regresso de não mais voltar, suas pastoras vão pedir
Não deixem, não que um bloco campeão
Guarde no peito a dor de não mais cantar.
Um bloco a mais é o sonho que se faz
O pastoril da vida singular".

Em Sonhos de Capiba, abre-se o baú da recordação de músicas antigas e até fala em "manda embora essa tristeza, que hoje é carnaval", mas a tônica segue sendo a própria tristeza e as lembranças.
"Se esse sonho fosse realidade, eu queria matar a saudade ouvindo outras canções".

E ainda tem aquelas que evocam saudade, mesmo que a palavra não seja pronunciada. Ela vem na melodia, no ritmo que é choroso, que é saudoso como em Evocação número1, de Nelson Ferreira:
"E o Recife adormecia e ficava a sonhar, ao som da triste melodia".

E pra finalizar, o chororô da quarta-feira de cinzas:
É de fazer chorar - Eddie
Arquivo pessoal
Agora, enquanto não chega a quarta-feira ingrata, vamos aproveitar o máximo e brincar o carnaval 2012 que promete ser de chuva. Bom carnaval!

Leia mais e escute:
Principais compositores pernambucanos
Capiba: 25 anos de frevo
12 músicas de Capiba e Nelson Ferreira - 25 anos de frevo

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Coroas

Imagem: Google
O carnaval em Recife e Olinda já começou desde os primeiros dias de janeiro, embora algumas pessoas assegurem que desde dezembro participam de ensaio de blocos. Não duvido. Mas o fato é que todo final de semana a programação carnavalesca é vasta e variada e quem passa pelas duas cidades tem a oportunidade de conhecer, ouvir e dançar os melhores frevos. São as prévias de carnaval e todo bloco que se preza organiza a sua. Tem os mais tradicionais, como o Homem da Meia-Noite que comemorou com festa e muita animação os seus 80 anos no dia 02 de fevereiro. E que esse ano será homenageado no Galo da Madrugada, no sábado de Zé Pereira. Aliás, o que não falta esse ano é homenagem ao famoso calunga de Olinda. A Troça Carnavalesca Ceroulas de Olinda que existe desde 1962 e que esse ano comemora seus 50 anos,  realizou sua prévia no domingo 8 de janeiro na cidade histórica. Como todos sabem,  durante muitos anos o Ceroulas não permitia que as mulheres  participassem dos seus desfiles. É por isso ainda considerado um dos blocos mais machistas do carnaval pernambucano. Mas eles não estão nem aí. 
Há também o igualmente famoso bloco Nem Sempre Lili Toca Flauta, que se concentra no Mercado da Boa Vista e que muitas vezes nem chega a sair em desfile pelas ruas do Recife. Não tem problema. Ali mesmo no  Mercado todo mundo faz a festa. É assim desde 1989, quando o bloco foi criado.
Mercado da Boa Vista (Foto: arquivo pessoal)
Mas tem também os blocos que contabilizam dois anos de vida com muita animação e irreverência. É o caso do Coroas de Aço Inox, que fez hoje a sua prévia no bairro do Hipódromo. O bloco "tira onda" com a idade dos fundadores e participantes, mas é também uma forma de brincar com os estereótipos e preconceitos do envelhecimento.  Esse ano Ana Paula Portela foi homenageada como rainha do bloco, título recebido com muita alegria e comemoração, como mostra a fotografia:
Ana Paula (Foto: arquivo pessoal)
Para o site  www.leiaja.com ela deu a seguinte declaração: "Eles são inoxidáveis porque envelhecem sem perder o pique e são animados e assumem a coroíce com uma coisa boa". É isso mesmo, Ana Paula!


Coroas de Aço Inox (Foto: Arquivo pessoal)
Como você pode ver, tem ainda muito ensaio de bloco, muita prévia e muita animação antes e durante o carnaval de Recife e Olinda. Há ainda os que tem fôlego até para depois do carnaval, porque na quarta-feira de Cinzas tem o Bacalhau do Batata, descendo com tudo pelas ladeiras de Olinda. E cada ano surgem novos blocos, tentando prolongar a festa de cores, sons e fantasias que alegra e mexe com a imaginação de quem ama o carnaval. O que importa é curtir muito as manifestações da cultura popular do carnaval de Pernambuco. 
Neste post foram citados apenas alguns. Vale a pena dar uma olhada na programação nos jornais dos finais de semana. Tem para todo gosto e idade. Aproveite. E agora, para finalizar, deixo o hino de Lily (Nem sempre Lily toca flauta):


Leia mais:


quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Nara Leão: 70 Anos

Nara Leão (Imagem: Google)

Nara leão se estivesse viva completaris 70 anos, nesse mês de janeiro de 2012. A família de Nara disponibilizou em um site, músicas, fotos e documentos da cantora, como um grande presente aos seus (e suas) fãs que há muito tempo esperavam por isso.
O site http://www.naraleao.com.br/ conta a história de Nara, com toda a sua discografia, fotos e documentos da cantora. Dá pra escutar todas as músicas gravadas por ela. Tem também um belíssimo acervo de vídeos. Super vale a pena. Eu amei.
Segundo a matéria da revista Época, a única música que ficou de fora do site foi "E que tudo o mais vai pro inferno", gravada por Nara em um disco dedicado ao repertório de Roberto e Erasmo Carlos.
Veja o que diz a matéria:
"Como é sabido, Roberto, a partir da década de 1980, passou a implicar com a canção, sucesso dele na Jovem Guarda, parou de cantá-la e decidiu não autorizar mais gravações e reedições da música. Uma besteira. Nesse caso vale recorrer à 'busca informal' e encontrar o arquivo na internet para conhecer a versão de Nara para a música maldita".

Pois aí está:




A Nara toda a minha homenagem, respeito e admiração.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Ave rara à frente do seu tempo

Iris Apfel

Iris Apfel é empresária norte-americana, ex-designer de interiores e ícone da moda. Está com 90 anos de idade e é o mais novo rosto da coleção de maquiagem da M.A.C.. Ela é uma das decoradoras mais famosas do mundo e desenha joias belíssimas. Até hoje é consultora de modas e dá palestras sobre estilo. A própria Iris Apfel desenvolveu a coleção completa para a marca, incluindo batons, blush,  esmaltes, lápis, máscaras e sombras. Está na matéria sobre a nova coleção da M.A.C. que as cores são inspiradas em uma "ave rara que está sempre à frente do seu tempo".  

"Aos 90 anos de idade, Iris Apfel está mais pop do que nunca. Empresária, designer de interiores e genuíno ícone da moda, a norte-americana ganhou espaço sob os holofotes na última década graças a sua autenticidade e ao seu inconfundível estilo colorido. Entre 2005 e 2006, foi tema da exposição: 'Rara Avis: Selection from the Iris Barrel Apfel Collection', que aconteceu no Metropolitan Museum; em 2007, apresentou peças de seu guarda-roupa para o livro 'Rare Bird of Fashion: The Irreverent Iris Apfel'; em 2011, fechou parceria com a M.A.C. para lançar uma coleção de maquiagem; e ainda anunciou, para 2013, uma linha de óculos em colaboração com a marca eyebobs".

É muito interessante que em tempos de super valorização da juventude, de fórmulas mágicas para se tornar eternamente jovem, nesse comecinho de 2012 duas matérias que confrontam a velhice e o envelhecimento estejam entre os 'assuntos  do momento'.
Como já dissemos AQUI, Clint Eastwood que aos 81 anos recusa o uso de photoshop em capa de revista e agora, Iris Apfel com a coleção da M.A.C. 
Como diz Arnaldo Antunes, "A coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer".
Oh, yeah!  

Leia mais:

sábado, 7 de janeiro de 2012

Liberdade, liberdade! Abre as asas sobre nós!

E por falar em envelhecer...
O premiado ator e diretor Clint Eastwood aos 81 anos recusou o uso de Photoshop nas fotos que fez para a capa da revista "M" do jornal francês Le Monde e chamou a atenção para um fato corriqueiro, usual e comum no mundo da publicidade que é esconder rugas, imperfeições e outros sinais do envelhecimento. Não só. Hoje está cada vez mais difícil saber o que não é Photoshop. 
Eu achei o máximo. Ponto pra Clint Eastwood. 

A entrevista é sobre o filme "J.Edgar" (Leonardo DiCaprio), biografia do controverso ex-diretor do FBI e que no Brasil estreia no dia 27 de janeiro. 


Clint Eastwood


Leia mais:
Clint Eastwood não usa Photoshop e o resultado é esse

domingo, 1 de janeiro de 2012

Envelhecer

A coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer. É o que diz a música de Arnaldo Antunes, postada aqui pela segunda vez. Feliz 2012! Envelhecendo...