sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

É frevo.

Foto: Google imagem
O carnaval me enche de melancolia, de lembranças e de saudade. Da infância. De um tempo que passou. De amores vividos. Não sei bem. Quando eu era criança, a minha mãe ligava a nossa vitrola igualzinha a da foto ao lado, todos os dias de carnaval. Eu ficava sempre por perto, geralmente sentada no sofá com a capa do vinil na mão. Eu amava aquilo, mas era de uma tristeza profunda. Às vezes ela chorava. Eu não entendia direito. Mas quando cresci entendi rapidinho. As letras das músicas são saudosistas demais. Melancólicas demais. É saudade o tempo todo. Soma-se a isso a melodia e a musicalidade do frevo canção e do frevo de bloco, igualmente nostálgicas. Sem contar as inúmeras vezes que a palavra chorar aparece nas músicas da festa que é o símbolo da alegria. Compositores como Nelson Ferreira, Capiba, Aldemar Paiva, Antônio Maria, Getúlio Cavalcanti, J.Michilis e a compositora Fátima de Castro que o digam. E o mais incrível é que muitos desses compositores foram (ou são) animados foliões.
O primeiro sucesso de Capiba, É de amargar, conta a história de um amor mal sucedido, cujo autor parece disfarçar a tristeza falando de um novo amor que pode estar surgindo. Com essa música composta em 1934, Capiba foi vencedor de um festival de música carnavalesca. Segundo José Teles, o mais triste é que essa música foi composta sob forte impacto: a morte prematura de Sebastião, o irmão mais velho de Capiba:
"Eu bem sabia que esse amor um dia
Também tinha seu fim esta vida é mesmo assim
Não penses que estou triste nem que vou chorar
Eu vou cair no frevo que é de amargar".

Mesmo quando Manda embora essa tristeza, Capiba alimenta a própria saudade, com frases como:
"Tu pensas que eu levo de inverno a verão
A dançar e cantar com o meu violão
Mas, na verdade, te digo, afinal!
Eu só faço isso pelo carnaval".

Um amor que se foi. Um amor que não chegou. Solidão, choro e saudade. É a tônica dessas músicas.
É assim em Os melhores dias de minha vida:
"Eu fiquei chorando quando foste embora,
quem sente saudade é quem chora".

E segue na tristeza em
"A dor de uma saudade vive sempre em meu coração
ao relembrar alguém, deixando a recordação
Nunca mais hão de voltar os tempos felizes que passei em outros carnavais".

E,
"Quem tem saudade não está sozinho
Tem o carinho da recordação
Por isso quando estou mais isolado
Estou bem acompanhado com você no coração".

Galo da Madrugada (Imagem: Google) 
E tem as que lembram um carnaval de passado recente, como o hino do Galo da Madrugada:
"Acorda, Recife, Acorda
Que já é hora de está de pé
Levanta, o carnaval começou no bairro de São José

Vem, vem meninada,
vem conhecer o Galo da Madrugada

O Galo vai desfilando com beleza e harmonia
O Enéas comandando
E mostrando a alegria de um carnaval
Que basta brincar um dia

Vem, vem meninada
Vem conhecer o Galo da Madrugada

Se você desfilar esse ano
nunca mais vai esquecer a Padre Floriano
E no bairro de São José o Galo é quem vai cantar
E o Galo é quem vai mandar".


Em O Recife manhã de sol, é saudosismo a música inteira, de um Recife que não existe mais. Ou existe apenas nas lembranças do compositor J. Michilis:
"Vejo o Recife prateado
À luz da lua que surgiu
Há um poema dos namorados
No céu e nas águas dos rios

Um seresteiro e um violão
Anunciando o amanhecer
Recife inteiro vai render
Ave-Maria ao pé do altar

Bumba-meu boi, Maracatu
Recife dos meus carnavais
Não vejo mais sinhá mocinha
À luz de um lampião de gás

És primavera dos amores
Do horizonte és arrebol
Vai madrugada serena
Traz delirante poema
Recife manhã de sol".

E quando eu ficava o carnaval fora de Recife - muitas vezes eu ia à Campina Grande, na Paraíba - aí a saudade doía. E em qualquer tempo ouvir o Frevo número 1, de Antônio Maria dá vontade de chorar, 'uma saudade tão grande que eu até me embaraço. Recife está perto de mim'.




No Último regresso, Getúlio Cavalcanti é  pura despedida, recolhimento, adeus.
"No regresso de não mais voltar, suas pastoras vão pedir
Não deixem, não que um bloco campeão
Guarde no peito a dor de não mais cantar.
Um bloco a mais é o sonho que se faz
O pastoril da vida singular".

Em Sonhos de Capiba, abre-se o baú da recordação de músicas antigas e até fala em "manda embora essa tristeza, que hoje é carnaval", mas a tônica segue sendo a própria tristeza e as lembranças.
"Se esse sonho fosse realidade, eu queria matar a saudade ouvindo outras canções".

E ainda tem aquelas que evocam saudade, mesmo que a palavra não seja pronunciada. Ela vem na melodia, no ritmo que é choroso, que é saudoso como em Evocação número1, de Nelson Ferreira:
"E o Recife adormecia e ficava a sonhar, ao som da triste melodia".

E pra finalizar, o chororô da quarta-feira de cinzas:
É de fazer chorar - Eddie
Arquivo pessoal
Agora, enquanto não chega a quarta-feira ingrata, vamos aproveitar o máximo e brincar o carnaval 2012 que promete ser de chuva. Bom carnaval!

Leia mais e escute:
Principais compositores pernambucanos
Capiba: 25 anos de frevo
12 músicas de Capiba e Nelson Ferreira - 25 anos de frevo

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Coroas

Imagem: Google
O carnaval em Recife e Olinda já começou desde os primeiros dias de janeiro, embora algumas pessoas assegurem que desde dezembro participam de ensaio de blocos. Não duvido. Mas o fato é que todo final de semana a programação carnavalesca é vasta e variada e quem passa pelas duas cidades tem a oportunidade de conhecer, ouvir e dançar os melhores frevos. São as prévias de carnaval e todo bloco que se preza organiza a sua. Tem os mais tradicionais, como o Homem da Meia-Noite que comemorou com festa e muita animação os seus 80 anos no dia 02 de fevereiro. E que esse ano será homenageado no Galo da Madrugada, no sábado de Zé Pereira. Aliás, o que não falta esse ano é homenagem ao famoso calunga de Olinda. A Troça Carnavalesca Ceroulas de Olinda que existe desde 1962 e que esse ano comemora seus 50 anos,  realizou sua prévia no domingo 8 de janeiro na cidade histórica. Como todos sabem,  durante muitos anos o Ceroulas não permitia que as mulheres  participassem dos seus desfiles. É por isso ainda considerado um dos blocos mais machistas do carnaval pernambucano. Mas eles não estão nem aí. 
Há também o igualmente famoso bloco Nem Sempre Lili Toca Flauta, que se concentra no Mercado da Boa Vista e que muitas vezes nem chega a sair em desfile pelas ruas do Recife. Não tem problema. Ali mesmo no  Mercado todo mundo faz a festa. É assim desde 1989, quando o bloco foi criado.
Mercado da Boa Vista (Foto: arquivo pessoal)
Mas tem também os blocos que contabilizam dois anos de vida com muita animação e irreverência. É o caso do Coroas de Aço Inox, que fez hoje a sua prévia no bairro do Hipódromo. O bloco "tira onda" com a idade dos fundadores e participantes, mas é também uma forma de brincar com os estereótipos e preconceitos do envelhecimento.  Esse ano Ana Paula Portela foi homenageada como rainha do bloco, título recebido com muita alegria e comemoração, como mostra a fotografia:
Ana Paula (Foto: arquivo pessoal)
Para o site  www.leiaja.com ela deu a seguinte declaração: "Eles são inoxidáveis porque envelhecem sem perder o pique e são animados e assumem a coroíce com uma coisa boa". É isso mesmo, Ana Paula!


Coroas de Aço Inox (Foto: Arquivo pessoal)
Como você pode ver, tem ainda muito ensaio de bloco, muita prévia e muita animação antes e durante o carnaval de Recife e Olinda. Há ainda os que tem fôlego até para depois do carnaval, porque na quarta-feira de Cinzas tem o Bacalhau do Batata, descendo com tudo pelas ladeiras de Olinda. E cada ano surgem novos blocos, tentando prolongar a festa de cores, sons e fantasias que alegra e mexe com a imaginação de quem ama o carnaval. O que importa é curtir muito as manifestações da cultura popular do carnaval de Pernambuco. 
Neste post foram citados apenas alguns. Vale a pena dar uma olhada na programação nos jornais dos finais de semana. Tem para todo gosto e idade. Aproveite. E agora, para finalizar, deixo o hino de Lily (Nem sempre Lily toca flauta):


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